ROSALIE RENDU
Irmã Paula Pereira Alves, FC
1. Quem foi Rosalie Rendu
Joana Maria Rendu, mais conhecida pelo nome de Irmã Rosalie, nasceu no dia 08 de setembro de 1786 numa família de agricultores, no cantão de Gex, num vilarejo chamado Confort. Era a mais velha de quatro filhas e sua infância foi dolorosamente marcada pela morte repentina do pai e pelos abalos da revolução e perseguições que se seguiram contra os padres e fiéis.
Joana Maria não tinha ainda dezesseis anos quando deixou para não mais voltar sua cidade e seu lar para entrar na Companhia das Filhas da Caridade em 25 de maio de 1802. Alguns meses mais tarde, aquela que será de agora em diante somente Irmã Rosalie, era enviada num dos lugares mais miseráveis de Paris: o Bairro de Mouffetard. Ali ela fez sua aprendizagem como Filha da Caridade, indo ao encontro de todas as formas de pobreza: miséria psicológica e espiritual, doenças, insalubridade, indigência, fome, entre outras. Durante 54 anos, ela não terá outro horizonte a não ser aquelas ruelas e seus becos; outra família a não ser os pobres, entre os quais não faltavam os mendigos e assaltantes. Tanto a uns como a outros, ela levava seus cuidados, seu sorriso, sua caridade inesgotável e realizou prodígios entre eles, tanto no plano material como espiritual. Nos intervalos entre as visitas aos doentes e aos pobres, ela ensinava o Catecismo e a leitura às meninas que frequentavam a escola gratuita.
Aqueles a quem pertencia mais particularmente seu tempo eram os pobres. Eles tinham confiança, contavam-lhe suas penas, seus pedidos, seus segredos, suas queixas. Ela era seu refúgio, sua luz, seu consolo e sua casa era também a casa deles. Os maus como os bons chegavam até ela, tanto aqueles que mereciam seu interesse e compaixão, como aqueles que haviam abusado de sua bondade; porque a boa Irmã não excluía ninguém. Sincera com todos, ela dizia a verdade, mesmo as mais dura a cada um; mas, havia nela tanta indulgência em suas repreensões, tanta ternura em sua severidade que os mais culpados se emocionavam e os mais rebeldes abaixavam a cabeça.
Quando alguém adoecia, ela estava imediatamente a sua cabeceira, procurava saber sobre as causas e a natureza do mal, se informava das necessidades e se apressava em prevenir o médico, falando-lhe dos doentes com tanta preocupação e zelo que os pobres de Irmã Rosalie eram aqueles que o médico cuidava com mais assiduidade. Ela não ficava tranquila enquanto o mal não fosse descartado e, mesmo depois, ela não abandonava seu doente, acompanhando-o na convalescença, ajudando-o de todas as formas possíveis. Durante o período da peste de 1832 e de 1849, Irmã Rosalie estava nas primeiras fileiras daqueles que lutavam contra o flagelo. A sua coragem e o seu espírito de liberdade causavam admiração. Ela não temia o contágio, se arriscava nos lugares mais temidos e os médicos dependiam de seus serviços, pois ela era o braço que executava e a alma que inspirava o que fazer.
Diante dos pobres envergonhados, Irmã Rosalie tinha uma sabedoria inteligente de ajudá-los sem causar-lhes nenhum constrangimento. Junto dela, eles logo se sentiam à vontade para confiar-lhe sua triste situação, pois ela os compreendia e socorria de maneira extremamente delicada e discreta.
Irmã Rosalie tinha um dom todo especial de convencer as pessoas a doarem seus bens a favor dos pobres. Aqueles que queriam se iniciar no exercício da caridade, vinham pedir-lhe conselhos e ela dava-lhes orientações muito úteis. Na sua escola se formaram as primeiras senhoras do serviço dos pobres doentes e os primeiros membros da Sociedade São Vicente de Paulo.
Sua influência se exercia não somente sobre os pobres, mas também sobre os burgueses e aristocratas preocupados em praticar a caridade cristã. E ainda exercia influência sobre as inteligências, as mais distintas de seu tempo: entre eles o Visconde de Melun e Frederico Ozanan ou ainda diplomatas, homens políticos, médicos célebres, Lamartine, Pessigny, Cavaignac e outros nomes importantes da época.
No entardecer de sua vida, sofreu de uma enfermidade terrível que a foi cegando progressivamente. Para ela que tinha uma natureza transbordante de atividades, a provação foi muito dolorosa. Faleceu no dia 06 de fevereiro de 1856. Seus funerais tiveram um brilho inusitado. Numerosos artigos na imprensa deram testemunho da admiração e da veneração que a Irmã Rosalie tinha suscitado entre aqueles que a conheceram. Jornais de todas as tendências religiosas e políticas fizeram eco dos sentimentos do povo.
Sua morte foi seguida do luto geral no Bairro Mouffetard e muito mais: prestaram-lhe funerais solenes e o Conselho Municipal do 12º Departamento ordenou que fosse erguido um busto de Irmã Rosalie Rendu e colocado na sala do Conselho. Ali permaneceu até 1880, onde num contexto anticlerical da época, os Conselheiros Municipais julgaram intolerável a presença deste busto. Mas a cidade de Paris conservou, todavia, em testemunho de reconhecimento àquela que se dedicou por tanto tempo aos mais pobres, o nome de uma avenida: Avenida Irmã Rosalie Rendu.
Assim era Irmã Rosalie Rendu: simples, humilde, alegre, sensível e justa, comprometida com a causa do Reino, determinada, audaciosa e incansável no serviço dos pobres. Ela gostava de repetir: “É preciso que uma Filha da Caridade seja como um marco na esquina de uma rua, sobre o qual todos os que passam possam descansar e colocar os seus fardos”. Assim, ela acreditou e assim ela viveu. Como se diz de São Vicente, podemos dizer de Irmã Rosalie Rendu que ela tinha o “dom da humanidade”, estava próxima dos pobres, compreendia-os amava-os com seu coração e sua fé: aí estava o seu segredo.
2. A contribuição de Irmã Rosalie na vivência e desenvolvimento do Carisma Vicentino
São Vicente dizia às primeiras Irmãs: “ Se vos levarem ao Bispo [...] dizei-lhe que sois pobres Filhas da Caridade que vos destes a Deus para servir os pobres”. Uma simples Filha da Caridade. Nada mais que isso. Só isso! Mas, verdadeiramente isso! Foi bem esta identidade que Irmã Rosalie encarnou durante 54 anos, vivendo num dos lugares mais pobres, violento e marginalizado de Paris – o Bairro Mouffetard. Foi bem esta identidade que fez Irmã Rosalie arriscar-se diante dos fuzileiros revoltados para salvar a vida do Oficial da Guarda, podendo depois responder à sua pergunta agradecida: quem sois vós, minha Irmã? Nada mais, senhor que uma simples Filha da Caridade. Identidade e missão: as duas dimensões estão absolutamente unidas. A missão expressa a identidade e esta garante a missão.
“Terão por claustro as ruas da cidade, por mosteiro a casa dos pobres...” Impelida pela audácia da caridade, Irmã Rosalie, desde cedo, adotou as ruas e ruelas do Bairro Mouffetard como endereço. Ela era capaz de dar do seu melhor aos pobres, descobrir Jesus Cristo em todas as circunstâncias e experimentar no seu quotidiano essa convicção de São Vicente:“Se dez vezes por dia fordes aos pobres, dez vezes por dia encontrareis Deus”.
Os Fundadores e nossas primeiras Irmãs viveram a audácia da caridade como missão no meio do povo, não como uma parte de suas vidas, uma função; elas viveram a missão como algo de essencial na vida da Igreja. A inserção na realidade, à qual nos convida insistentemente o Papa Francisco, supõe um sim aos desafios duma espiritualidade missionária que nos ajudará a realizar nossas tarefas, nossas idas e vindas não como um aprendizado de vida, mas como expressão de nossa identidade.
“Se o amor é um fogo, o zelo é sua chama” e, por isso, o fogo se propaga e, muitas vezes, viam-se pessoas de todas as classes, estudantes de direito e de medicina procurarem a boa Irmã Rosalie para realizarem alguma boa obra. Com carinho e respeito, ela os acompanhava pessoalmente e, como boa educadora, pedia a cada um o que podia fazer para o serviço dos pobres. Recomendava-lhes paciência, compreensão e delicadeza. Dizia-lhes: “Amem os pobres, não os acusem demasiado, lembrem-se de que eles são mais sensíveis ao modo como são tratados do que a ajuda que recebem”. Lutar contra a miséria para devolver a pessoa a sua dignidade foi seu objetivo durante 54 anos. Fez todo o possível para que as autoridades de seu tempo entendessem que as decisões políticas muitas vezes causam fome, sofrimento e injustiça aos pobres. Sensibilizava os políticos em relação a obrigação moral deles com respeito aos pobres. Empreendia tudo com inteligência e audácia; nada a detinha quando se tratava de restituir a dignidade da pessoa ao pobre.
São Vicente dizia: “Nisto consiste a verdadeira e sólida santidade: fazer bem o que se faz, de acordo com a própria vocação”. E Santa Luísa recomendava muitas vezes às primeiras Irmãs, falando sobre o serviço dos pobres: “É preciso amá-los com ternura e respeitá-los fortemente”. Irmã Rosalie Rendu viveu ao pé da letra e no dia a dia estas recomendações dos Fundadores. Por isso, ela é ícone para nós hoje, convocadas pelo Documento Interassembleias a buscar novas maneiras de servir com criatividade, a dar respostas eficazes, intrépidas, mesmo arriscadas, que exigem a audácia da caridade.
3. Atualização da vida e obra de Irmã Rosalie para os nossos tempos
O Documento Provincial da Pastoral Escolar Vicentina lembra-nos que os Fundadores anteviram por suas práticas a compreensão de que a educação não é um privilégio, mas um direito de todos/as, o qual é base para uma sociedade justa, igualitária fraterna (p. 23). Santa Luísa já dizia: a caridade há de completar-se pela educação.
Ontem, como hoje, a vida e missão de Irmã Rosalie Rendu nos impulsiona, nos motiva, nos encoraja e nos questiona.
Sua caridade audaciosa encontrou respostas criativas para os desafios de seu tempo, desenvolvendo uma educação popular libertadora. Percebemos claramente em sua ação alguns princípios básicos de uma educação que promove, que tem objetivos claros. Uma ação junto com as pessoas, que parte da realidade, que educa para a corresponsabilidade, uma ação que valoriza, respeita, é flexível, realizada com espírito de serviço evangélico.
Algumas características de seu trabalho junto aos pobres do Bairro Mouffetard continuam válidas ainda hoje na Educação Vicentina e iluminam nossas opções e práticas: trabalho dinâmico, inserido na realidade das pessoas, que parte de suas necessidades e não de teoria, de conhecimentos abstratos. Ação crítica que ajuda as pessoas a analisarem sua situação, a descobrir o que liberta o que escraviza, o que está certo, o que está errado, refletem e agem em comum. Graças a isso, a comunidade do Bairro Mouffetard ajudada por Irmã Rosalie pode entrar num processo de construção de sua própria caminhada e traçar um caminho para a justiça e a paz.
Ontem, como hoje, a vida e missão de Irmã Rosalie Rendu nos impulsiona, nos motiva, nos encoraja e nos questiona.
No Congresso Internacional de Educação Católica realizado em Roma, no mês de novembro de 2015, foi lembrado que, em vez de assumir atitudes meramente reativas a essa sociedade que alimenta contra valores como o individualismo competitivo e que legitima as desigualdades, as Escolas e as Comunidades Católicas são chamadas a assumir atitudes proativas para reafirmar a primazia da pessoa, o valor da comunidade, a busca do bem comum, o cuidado com a fragilidade e a inquietude pelos últimos, a cooperação, a solidariedade. Esta proposta encontra eco na missão vivida por Irmã Rosalie Rendu, de quem se dizia: “Ela não contestava a ordem estabelecida, nem alimentava a revolta: não era este o seu método. Para lutar contra a injustiça e a miséria, despertava a consciência dos que tinham o poder ou o dinheiro, trabalhava na instrução das crianças, dos jovens de famílias pobres e para responder às urgências, suscitava a partilha, organizava a caridade”.
O Documento Interassembleias nos encoraja a intensificar o trabalho em rede em todos os níveis, para facilitar um serviço de colaboração com a Família Vicentina e com outros. Irmã Rosalie Rendu já trabalhava em rede. Sua sala de visitas nunca estava vazia. Ela estava sempre rodeada, envolvida numa vasta rede de ajuda onde cada um podia ir pedir ou oferecer. Ela tinha o dom de discernir, de arrastar, de envolver, de comprometer.
A Educação católica enfrenta muitos desafios, mas ela tem vida porque continua colocando perguntas e buscando respostas. Tem vida porque tem horizonte de qualidade de identidade e missão. A identidade exige um processo de identificação e a missão necessita ser vivida de modo apaixonado. Assim viveram nossos Fundadores, assim viveu Irmã Rosalie Rendu, assim queremos viver nós, Educadores/as Vicentinos/as para continuar FAZENDO BEM O BEM QUE FAZEMOS.
Para aprofundarmos a reflexão:
1) Como a vida e missão de Irmã Rosalie Rendu fala ao seu coração vicentino?
2) Que novas percepções ou ação você se sente desafiado/a enfrentar?
3) Sua missão pastoral é mais ativa ou passiva, planejada ou improvisada, criativa ou repetitiva? Identifique algo parecido com o jeito de evangelizar de Irmã Rosalie Rendu.
Referências:
Soeur Rosalie Rendu - Editions du Signe
Soeur Rosalie Rendu - Documentaire
Anotações do Curso Vicentino Paris – 1985
Documento Provincial da Pastoral Escolar Vicentina, Curitiba, 2015.
Revista Convergência, Junho 2016
Texto disponível em PDF: www.filhasdacaridade.com.br/downloads/Texto3_RRendu.pdf