DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA (DSI) E CARISMA VICENTINO

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Doutrina Social da Igreja (DSI) e carisma vicentino: algumas chaves de leitura e interpelações mútuas.

 

A referência ao Ensino Social da Igreja, por muitos também conhecido de Doutrina Social da Igreja (DSI), tem estado presente já algum tempo nos estudos e reflexões desenvolvidos pela Companhia. De modo mais oficial, o incentivo para que as Filhas da Caridade se apropriem da reflexão sobre a dimensão ético-social da fé cristã está explicitado na Constituição 52, que versa sobre as linhas gerais da formação: o processo formativo das Irmãs “inclui o conhecimento da doutrina social da Igreja”, que as capacita “para o anúncio do Evangelho no respeito às diferentes culturas”. Na atualidade, o termo aparece novamente no Documento Interassembleias 2015-2021 como critério de discernimento e revisão de vida e práticas na busca por “um novo elã missionário”: “ousemos com determinação [...] rever nossas escolhas, nossas decisões, nossos compromissos à luz da Palavra de Deus, da Doutrina Social da Igreja e das Orientações da Companhia” (Documento Interassembleias, p. 17). Podemos afirmar que a natureza de nosso carisma, visceralmente conectado com a dinâmica da sociedade e de suas diversas e complexas relações, tendo na opção afetiva e efetiva pelos pobres o eixo orientador de sua práxis, exige de nossa parte uma séria e contextualizada apropriação do pensamento da Igreja acerca em relação à moral social.

 

 Faz-se necessário, entretanto, retomarmos a compreensão sobre o pensamento social da Igreja, a fim de que este possa, de fato, ajudar a balizar nossa vida e nossa ação a partir do carisma que nos é próprio. Vale, por isso, descrever brevemente os princípios e elementos identitários da DSI, e como estes se articulam e se expressam na presença e compromisso dos cristãos e cristãs. A DSI é constitutiva da missão evangelizadora da Igreja, que é chamada a ser sacramento de salvação no mundo em que está inserida. A construção do Reino de Deus, assumido e proclamado por Jesus de Nazaré compreende a libertação das amarras do pecado, que não está confinado à realidade pessoal e subjetiva, mas que afeta também a coletividade e as estruturas. Há uma dimensão social do pecado e que, para nós, torna-se particularmente perceptível naquilo que fere a dignidade e diminui os direitos dos mais pobres.

 

Começamos pela consideração de que a questão social sempre esteve presente no pensamento eclesial, levando em conta os elementos socioculturais de cada época histórica. As fontes bíblicas e patrísticas nos testemunham isso. Contudo, a publicação da encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, em 1891, é considerada o marco para um pronunciamento mais articulado e sistemático sobre o tema. De lá para cá, o Magistério Pontifício tem se pronunciado oficialmente por meio de mais nove encíclicas sociais: Quadragesimo Anno – Pio XI (1931); Mater et Magistra – João XXIII (1961); Pacem in Terris – João XXIII (1963); Populorum Progressio – Paulo VI (1967); Octogésima Adveniens – Paulo VI (1971); Laborem Exercens – João Paulo II (1981); Sollicitudo Rei Socialis – João Paulo II (1987); Centesimus Annus – João Paulo II (1991); Caritas in Veritate – Bento XVI (2009); e a recente e brilhante Laudato Si’, do Papa Francisco (2015). As encíclicas traduzem o caráter evolutivo e dinâmico do Ensino Social visto que, ao mesmo tempo em que retomam questões sinalizadas nos documentos anteriores, consideram os apelos socioculturais de cada momento histórico. Neste processo, cabe citar o Concílio Vaticano II como evento paradigmático para a Igreja como um todo, também no que se refere à perspectiva social, tanto em relação ao conteúdo quanto à metodologia. Entre os documentos conciliares, a Constituição Pastoral Gaudium et Spes recolhe as intuições e proposições fundamentais desta reflexão.

 

Embora o termo “doutrina” aparentemente sugira uma compreensão rígida e estática, é importante salientar, novamente, a natureza dinâmica e contextual da DIS. Nela se integram diferentes fatores - como os problemas e desafios pertinentes a cada momento histórico, o caminhar das ciências, a reflexão teológica, a vida da comunidade de fé, e, obviamente, a mensagem interpeladora do Evangelho - tendo como fundamento basilar a dignidade da pessoa humana. Além disso, o pronunciamento eclesial a partir do Magistério Pontifício ou das Conferências Episcopais não resume, nem esgota o pensamento e o compromisso da Igreja com o contexto social, mas apresenta uma palavra rezada, dialogada, discernida à luz do Evangelho para as comunidades cristãs e para a sociedade como um todo. Considerando estes pressupostos, é possível definir a DSI como:

 

[...] o conjunto sistemático de princípios de reflexão, critérios de juízo e diretrizes de ação, que o Magistério da Igreja Católica estabelece, fundando-se no Evangelho e na reta razão, a partir da análise dos problemas sociais de cada época, a fim de ajudar as pessoas, comunidades e governantes a construir uma sociedade mais conforme à manifestação do Reino de Deus e, portanto, mais autenticamente humana (BRIGHENTI, 2013).

 

Conclui-se, assim, que a finalidade da DSI não é emitir um juízo de valor ou dar um parecer definitivo sobre as circunstâncias históricas e conjunturais da sociedade, mas oferecer princípios éticos que permitam um coerente e evangélico discernimento da realidade.

 

 A história do carisma acompanha o desenvolvimento do pensar a fé em perspectiva social. Embora na época dos Fundadores, não houvesse um corpo sistematizado de orientações sobre a questão, não é instantaneamente perceptível a preocupação e envolvimento com a realidade social, especialmente com tudo aquilo que dizia respeito aos pobres. A percepção de que a caridade precisava superar o assistencialismo, o envolvimento e acompanhamento das estruturas políticas que tinham o poder de gerência e deliberação sobre a situação dos pobres, a postura profética frente às situações socioeconômicas, culturais e religiosas que legitimavam a pobreza, expressam uma atitude de fé com ressonância ético-social.

 

 A Companhia assume na atualidade como paradigma de sua missão “a audácia da caridade para um novo elã missionário”, o qual perpassa todas as dimensões da vida e da ação da comunidade. Sem esquecer que foram frutos do seu tempo e do contexto socioeclesial em que viveram, vale à pena lembrar que as iniciativas suscitadas por Luísa de Marillac e Vicente de Paulo suscitaram um carisma e uma identidade eclesial original e inédita. Mais do que um motivo de gratidão por um grande feito passado, isso nos compromete a assumir os desafios da missão hoje com uma atitude de autoria, de ousada criatividade, superando a viciosa tendência da repetição ou a paralisadora insegurança do novo. No que se refere à DSI, isso se aplica à contribuição genuína que a Companhia poder dar à Igreja e à sociedade ao trazer para a pauta da reflexão ético-social a voz dos pobres do nosso tempo e das escravidões modernas que interpelam a fé cristã, ajudando a gestar e gerar caminhos de vida para nosso povo e nosso mundo.

 

Ir. Raquel de Fátima Colet, FC

 

http://www.provinciacuritiba.com.br/Comissoes/Educacao/Noticia.aspx?noticia=1165  (acesso em 23 de junho de 2016)

 

Referências:

Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo. Constituições e Estatutos.

Relatório das aulas e textos de estudo – Disciplina de DSI (Teologia – PUCPR 2013) – Prof. A. Brighenti

 

 

 

 

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